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Doar órgãos é valorizar a vida e permitir novo recomeço

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Um gesto que se define com apenas uma palavra: amor. E foi por amor que Aparecida de Freitas doou um rim ao irmão José Gilson de Freitas e mudou a vida dele. Já recuperado do transplante feito em 27 de agosto no Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (ICDF), José Gilson comemora: ficou no passado a luta pela sobrevivência em cansativas sessões de hemodiálise. Hoje, os irmãos recordam-se dos dias difíceis e incentivam a doação de órgãos e tecidos tanto entre pessoas vivas quanto no caso de famílias que autorizam o procedimento a partir de algum órgão de um parente morto.

José Gilson com a irmã, Aparecida, de quem recebeu um rim: “Que isso sirva de incentivo a todos que tenham esse mesmo gesto de amor, que é o gesto de doação” | Fotos: Breno Esaki/Agência Saúde

Com a mensagem “Diga sim à vida”, a campanha Setembro Verde, no Distrito Federal, representa um novo ciclo, uma nova vida para quem passa por dias difíceis e tem a oportunidade de recomeçar. “Hoje, no Brasil, mais de 45 mil pessoas aguardam por um transplante”, reforça a diretora da Central Estadual de Transplantes da Secretaria de Saúde, Camila Hirata. “O esclarecimento sobre como se tornar um doador, essa conversa em família sobre doação de órgãos é fundamental para que possamos renovar as esperanças dessas pessoas que aguardam por essa doação”.

Luta pela vida

A batalha de José Gilson começou entre fevereiro e março de 2012, quando, em uma viagem, ele descobriu ter nefropatia por IgA, uma doença renal. “O pé começou a inchar, aferimos a pressão, procuramos um hospital e, nos exames, descobri um problema renal; eu ainda não sabia qual era a doença”, lembra.

Levado ao hospital e já com o diagnóstico da enfermidade, ele iniciou um tratamento conservador por indicação médica. A doença foi evoluindo com o passar dos anos e um dos rins funcionava com apenas 20% de capacidade. Em 2018, ele contraiu uma gripe que evoluiu para pneumonia. O quadro clínico agravou-se: o rim paralisou, e foi necessário começar a fazer hemodiálise.

“Desde que descobri a doença eu já sabia de todos os tratamentos que existem”, conta. “O transplante é um deles. Eu entrei na fila de doador falecido em junho de 2019”. Foi nesse período que sua irmã, Aparecida, se ofereceu para doar um rim – e no início, conta, Gilson não queria que ela se submetesse ao procedimento.

“O transplante renal é a melhor alternativa de tratamento para os pacientes com disfunção renal crônica e necessidade de suporte dialítico” Helen Souto Siqueira Cardoso, nefrologista do ICDF

“Ficou resistente, mas conversamos com o médico e eu estava ciente dos riscos, sabia o que poderia enfrentar, e isso não mudou a minha decisão de ajudar o meu irmão”, recorda Aparecida. A partir dessa decisão, os dois participaram de palestras, fizeram exames de compatibilidade e todos os procedimentos necessários para viabilizar o transplante.

Pandemia

“Eu sou da área da saúde, sou nutricionista e sei que é possível ter uma vida normal com apenas um rim, então eu decidi doar”, relata Aparecida. “As pessoas são resistentes quanto à doação intervivos; ele, inclusive, era. Quando conversou com um colega de trabalho que doou um rim para a esposa e viu que ele estava bem, mantendo uma rotina, foi que se convenceu de que eu poderia ser a doadora.”

Em março de 2020, por causa da pandemia, vários procedimentos deixaram de ser feitos. Os transplantes continuaram, porém com maior rigor, como a impossibilidade de transplantar um órgão de um doador morto por covid-19. Além disso, essa restrição também vale para o transplante intervivos.

A nefrologista Helen Souto Siqueira Cardoso, coordenadora de transplante renal do ICDF, enfatiza: “O transplante renal é a melhor alternativa de tratamento para os pacientes com disfunção renal crônica e necessidade de suporte dialítico. O José Gilson, essa pessoa jovem, teve seus planos interrompidos após uma nefropatia por IgA e a necessidade de hemodiálise. Ele ganhou o rim de sua irmã, com seu grande ato de amor e um ano na fila de espera.”

Expectativas

Concluído o procedimento, José Gilson pondera: “Minha maior expectativa é parar de fazer hemodiálise, pois é muito sofrido. Sei que terei várias restrições para fazer uso de medicamentos [para evitar a rejeição do órgão]. O tratamento [hemodiálise] é muito agressivo”.

A internação no ICDF ocorreu em 26 de agosto, véspera do transplante. Nesse dia, Gilson fez sua última sessão de hemodiálise e estava confiante e otimista. Durante a sessão, recebeu orientações do enfermeiro nefrologista Thiago Martins, de quem ouviu uma avaliação animadora: “A gente está na torcida para que seja realmente a última sessão de hemodiálise e que você possa seguir com a sua nova vida longe dessa máquina”.

Emocionado, Gilson agradece também o gesto da irmã: “É um ato de amor a pessoa doar-se para passar o que ela vai passar, sendo uma pessoa saudável, tendo todas as atividades de trabalho. Ela tirou um momento da vida dela para me dar a vida também. Tenho que ficar agradecido pelo resto da minha vida e vou carregar dentro de mim um pedacinho dela”.

O grande dia

Na tarde de 27 de agosto, um novo capítulo foi escrito na vida de José Gilson. Após um ano na lista de espera, o grande dia chegou. Ele e a irmã foram conduzidos ao centro cirúrgico – um na sala de doador e outro na sala de receptor. Sedados, eles não viram todo o trabalho que a equipe multiprofissional fez ao retirar o rim de um e transplantar no outro.

As cirurgias foram bem-sucedidas, e, a partir daquele momento, os irmãos estavam mais unidos do que nunca. O rim de Aparecida trabalhava no corpo de José Gilson e devolvia a ele a tão sonhada qualidade de vida.

“O José Gilson é nosso transplante número 300”, informa Helen Cardoso. “Neste ano o ICDF realizou 27 transplantes renais, sendo 11 transplantes intervivos e 16 transplantes com doadores falecidos”. A médica faz um apelo para que as pessoas que desejam ser doadoras comuniquem seus familiares e para que os familiares autorizem a doação.

“A doação interviva não conseguirá suprir a demanda tão crescente nos últimos anos por transplantes renais”, alerta. “Por isso é muito importante que você comunique à sua família o desejo de doar órgãos. Doe órgãos, diga sim à vida.”

A volta para casa

Já em condições de retornar para casa e livre das sessões de hemodiálise, José Gilson recebeu alta em  31 de agosto e já está recuperado da cirurgia, bem como sua irmã Aparecida. A saída do hospital foi carregada de emoção, alívio e um sentimento de vitória.

“O pós-cirúrgico está indo bem, as dores que a gente sente são normais”, diz. “A diferença é que não estou fazendo hemodiálise. Espero que esse rim que ganhei de presente dure por muitos anos.”

Aparecida observa a qualidade de vida que o irmão ganhou quase um mês após receber o rim: “Só quem faz hemodiálise sabe o sofrimento que é. A pessoa fica muito debilitada. Ter que ir com frequência para esse tratamento – que é necessário, mas deixa a pessoa muito debilitada – é muito difícil. Nada se compara com o que era antes. É muito bom saber que eu trouxe qualidade de vida para o meu irmão, não só para ele, mas para a esposa, filhos e todos que viam o sofrimento dele e sofriam juntos”.

Em casa, já com a família, José Gilson reforça a gratidão: “Que sirva de lição e aprendizado: a pessoa pode doar um rim. Às vezes, a falta de informação faz com que as pessoas tenham medo de fazer a doação e até [faz com que] com quem vai receber, como era meu caso, tenha medo também de comprometer a vida da outra pessoa. Informe seus familiares, procure informação. Hoje estou muito bem, agradecido a Deus, a ela [a irmã] por esse gesto, e que isso sirva de incentivo a todos que tenham esse mesmo gesto de amor, que é o gesto de doação”.

*Com informações da Secretaria de Saúde

Fonte: Agência Brasília

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