O diagnóstico precoce é feito pelo teste do pezinho, realizado em recém-nascidos dentro do Programa de Triagem Neonatal. De acordo com o Hospital da Criança de Brasília, a cada 1.200 nascimentos no Distrito Federal, pelo menos um recém-nascido tem a doença
Dores intensas, remédios, internações e transfusões de sangue. Esse é o dia a dia de mais de 2 mil pessoas no Distrito Federal acometidas pela doença falciforme. No Brasil, o número de pacientes sobe para 30 mil, segundo o Ministério da Saúde. A enfermidade crônica, hereditária e genética, caracteriza-se por uma falha na estrutura da hemoglobina, que ao invés de ter forma de disco, parece com uma foice ou lua minguante, prejudicando o transporte do oxigênio pelo organismo.
Este domingo (19) é o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme, instituído em 2008, pela Organização das Nações Unidas (ONU). A proposta é que o conhecimento sobre a enfermidade seja difundido, para facilitar o diagnóstico precoce e o tratamento por toda a rede pública.
O diagnóstico precoce é feito pelo teste do pezinho, realizado em recém-nascidos dentro do Programa de Triagem Neonatal. A criança, então, passa a ser acompanhada regularmente no Hospital da Criança de Brasília (HCB), com uma equipe especializada, esquema especial de vacinação e suplementação com ácido fólico. A família recebe apoio, orientações e técnicas de autocuidado.
De acordo com dados do HCB, a cada 1.200 nascimentos no Distrito Federal, pelo menos um recém-nascido tem a doença e, atualmente, 741 crianças falciformes são atendidas na unidade. Destas, 87 fazem parte do programa de transfusão regular para prevenir o Acidente Vascular Cerebral (AVC), uma das ameaças da enfermidade.
Na última quarta-feira (15), a Fundação Hemocentro de Brasília (FHB) realizou um evento em comemoração ao dia de difusão de conhecimentos e informações sobre a falciforme, com participação de pacientes e profissionais da saúde.
A hematologista pediatra, Ísis Magalhães, diretora técnica do HCB, explica que a falciforme impacta diretamente na rotina dos pacientes, com crises de dores, insuficiência renal progressiva e maior suscetibilidade a infecções, além do risco de alterações no desenvolvimento neurológico. “Não é só uma anemia. Com a alteração da vasculatura do glóbulo vermelho, entendemos que é uma doença sistêmica, que pode prejudicar todos os órgãos do corpo”, explica a hematologista.
Ela ressalta a importância de que toda a sociedade entenda que a falciforme causa dores crônicas e diversos outros problemas à saúde. “É um problema de saúde pública que tem que ser conhecido por todos e atendido por todos, nas unidades de emergência. Esse envolvimento da sociedade civil é muito importante para a busca de políticas públicas que protejam e facilitem a vida dos pacientes”, completa ela.
Apoio sistêmico
A Fundação Hemocentro de Brasília (FHB), como responsável pela gestão do Sistema de Sangue, Componentes e Hemoderivados do DF, coordena a política de atenção integral aos pacientes com falciforme. São promovidas capacitações técnicas de profissionais de saúde e estudantes da área, para orientação dos portadores de hemoglobinopatias. Já o atendimento multiprofissional em qualquer nível de atenção fica a cargo da Secretaria de Saúde do DF.
O diretor-presidente da Fundação Hemocentro de Brasília (FHB), Osnei Okumoto, explica que todo o sangue doado passa por análises laboratoriais para o controle de qualidade do insumo. Mas, no caso do sangue fenotipado, aquele transfundido aos pacientes falciformes, o cuidado é ainda maior.
“Além de identificar o tipo sanguíneo daquela pessoa, nós detectamos vários outros antígenos para identificar qual o melhor sangue para os falciformes. É uma compatibilidade extra para que essas pessoas não desenvolvam resistência e o controle da doença fique mais difícil”, explica Osnei.
O gestor acrescenta que a enfermidade não pode ser negligenciada. “É uma doença extremamente perigosa em relação a problemas neurológicos e de todas as natureza. É fundamental que possamos enxergar os pacientes de uma maneira diferente para proporcionar uma qualidade de vida maior”, pontua.
Sofrimento diário
Elvis Magalhães, 54 anos, conviveu com uma forma grave de anemia falciforme por 38 anos. Foram centenas de idas e vindas ao hospital, efeitos colaterais, medicações e tratamentos sem sucesso. Até que teve a possibilidade de ser transplantado com medula óssea do irmão mais novo e tudo mudou, sendo uma das primeiras pessoas no Brasil a ficar curada da doença.
“Existe esperança para as pessoas com doença falciforme e estamos lutando para que mais pessoas tenham acesso à cura”
Elvis Magalhães, coordenador da Associação Brasiliense de Pessoas com Doença Falciforme
“Sabe aquele compromisso com a doença que eu tinha? Acabou. Claro, continuo me cuidando, mas é muito bom viver com mais calma. Já não tinha esperança de que algo melhorasse, mas quando surgiu a oportunidade, fiquei muito feliz”, conta. Desde 2015, mais de 150 pessoas com doença falciforme receberam transplante de medula óssea no Brasil, sendo que seis residem no DF.
Atualmente, Elvis é coordenador da Associação Brasiliense de Pessoas com Doença Falciforme (Abradfal) e defende, com unhas e dentes, políticas públicas que auxiliem a vida dos pacientes, impactadas diretamente pela doença. “Existe esperança para as pessoas com doença falciforme e estamos lutando para que mais pessoas tenham acesso à cura. São inquestionáveis os avanços que tivemos nos últimos anos, mas ainda há muito a caminhar”, completa.
Esperança
O servidor público Emerson Silva, 48 anos, não conhecia a doença até que o primeiro filho, Victor Hugo, recebeu o diagnóstico, com um ano de idade. Hoje – pai de outro menino que também tem falciforme, Rafael, 9 anos -, entende sobre os sintomas, cuidados e tratamentos da enfermidade, além de participar de eventos e palestras de conscientização.
A descoberta da doença do primogênito ocorreu de forma inesperada: em uma visita que o menino fez à avó no trabalho, uma médica do local alertou que a criança tinha falciforme, depois de reconhecer sinais como mãos e pés inchados, e que ela deveria ser examinada urgentemente. Mesmo sem acreditar no diagnóstico visual, repassado pela avó da criança, Emerson levou o menino ao médico e teve a surpresa negativa.
“Não conhecia nada da doença, nada mesmo. Só depois de muito sofrimento, parei e estudei, porque precisava ajudar meu filho”, relembra o servidor público. Victor Hugo teve que retirar o baço ainda quando criança e passou por outras cirurgias ao longo da vida, além de centenas de internações para controlar crises de dor.
Mas, mesmo com a dificuldade imposta pela doença, ele conseguia manter uma vida agradável, estudando e trabalhando. No entanto, no dia 21 de dezembro de 2021, quando passava as festas de fim de ano na casa da avó, no Rio de Janeiro, Victor Hugo faleceu. Ele tinha 23 anos.
“Foi a única crise em que eu não estava lá pra ajudar, para mostrar para os médicos o que meu filho precisava”, lamenta Emerson, que também ressalta a importância do conhecimento médico e a credibilização da dor do paciente.
Agora, quem convive com a dor é Emerson, que reúne forças para seguir na luta pela conscientização sobre a doença. “Quando todos conhecerem o que é, como trata, tudo será melhor”, diz ele.
O segundo filho, Rafael, tem uma forma mais leve da falciforme e recebe o tratamento, na maioria das vezes, em casa. Quando ele foi gerado, havia a esperança de que ele fosse compatível com o mais velho, para o transplante de medula óssea, mas infelizmente não foi possível. “A vida dos meus filhos já foi salva várias vezes, em internações e transfusões. O tratamento humanizado e o conhecimento sobre a doença salvam”, finaliza.
Fonte: Agência Brasília