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Edição histórica de festival marca o retorno do público ao Cine Brasília

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De certa forma, é o festival do retorno. Depois de dois anos realizada de forma virtual, a maior e mais representativa mostra de filmes do país volta a ocorrer em um formato que tem a cara original. Ou seja, pulsante, vibrante e altamente interativa. Uma das características marcantes do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB), que este ano segue para a sua 55ª edição, sempre foi e será a presença do público.

Crítica, irreverente, polêmica, mas sempre participativa, é a plateia do festival dos festivais, que ajudou a forjar a identidade do evento por meio de intensos e provocativos debates político-sociais. E reflete, por meio dos filmes projetados na tela mágica do Cine Brasília, como está e o que pensa o Brasil. Este ano, quase 1,2 mil títulos foram inscritos na mostra. Só do Distrito Federal foram 49 produções concorrentes.

Para o secretário de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, Bartolomeu Rodrigues, “nada se compara ao prazer de ter de volta o Festival de Cinema à tela do Cine Brasília e ao calor das pessoas que se habituaram a interagir com os filmes, atores, diretores e produtores.”

Bartô, como o gestor é conhecido, espera, sinceramente, que o festival cumpra seu papel histórico “de questionamentos e renovação”. “O cinema cultural, o cinema entretenimento, o cinema negócio, tudo se mistura e está na mesa para os debates. Evoé, jovens cineastas!”, convoca o chefe da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec).

A partir desta segunda-feira (14) até 20 de novembro, a meca da sétima arte da capital brasileira vai fervilhar de gente ansiosa para acompanhar as mais de 40 produções originárias de todos os cantos da nação. Todas as cinco regiões do país terão filmes representados no encontro cinematográfico. Vinte e cinco desses títulos vão concorrer ao troféu Candango, um dos mais relevantes do segmento.

Filme ‘Capitão Astúcia’, de Filipe Gontijo, é um dos participantes da Mostra Brasília | Foto: Divulgação

Diretora artística desta edição do FBCB e à frente da organização da sociedade civil Box Cultural, que agora administra o espaço juntamente com a Secec, Sara Rocha, neta do cineasta Glauber Rocha, traça um panorama do que promete ser o evento de 2022.

Segundo ela, o que pautou a escolha dos filmes, tanto na competição nacional quanto da programação global, entre as mostras paralelas e de homenagens, além de filmes em sessões especiais, foi a forma de cada um de enxergar questões e assuntos que são urgentes hoje para a sociedade brasileira e que precisam ser melhor debatidas.

“São narrativas instigantes, próprias e, ao mesmo tempo, afetivas, que falam sobre esses traumas todos pelos quais o Brasil passou nos últimos anos historicamente”, avalia. “Os filmes trazem questões sociopolíticas relevantes, com engajamento, espírito produtivo, mas, ao mesmo tempo, esse momento de reconciliação e reflexão mais afetiva que o cinema traz com muita propriedade para melhorarmos enquanto sociedade e seres humanos”, afirma.

Fato inédito

Este ano há fato inédito na programação da mostra competitiva de longas-metragens, com duas produções do Distrito Federal concorrendo ao prêmio máximo do festival. Um deles é o doc-drama Rumo, da dupla Bruno Victor e Marcus Azevedo, que aborda o sistema de cotas raciais em universidades brasileiras por meio da trajetória de sonho e luta de uma mãe e um filho que vivem na periferia do DF. Ambos nutrem a paixão pelos estudos e a meta de conquistar um diploma acadêmico.

Para o diretor Bruno Victor, retornar à tela do Cine Brasília após cinco anos do lançamento do curta de estreia, Afronte, é simbólico. “Estamos retornando ao palco do Cine Brasília para contar a história de uma das políticas públicas mais importantes do país, as cotas raciais”, conta. “Estar ao lado de uma grande referência como o Ardiley Queirós nos faz pensar que estamos indo no caminho certo, de um cinema inovador, poético e político”, diz.

Já Marcus Azevedo, seu parceiro na direção do filme Rumo, não esconde a expectativa com relação à exibição do longa que aborda questão pertinente num Brasil dividido pela desigualdade em todos os níveis.

“Quando a curadoria resolve selecionar filmes com essa temática, política e urgente, neste momento que o país está passando, é importante esse debate”, avalia. “E o filme ser exibido no Festival de Brasília, que tem um histórico político, é importante, porque podemos fomentar o debate sobre o racismo como um ponto principal a ser tratado no país”, defende.

A outra produção do DF é Mato Seco em Chamas, de Adirley Queirós e Joana Pimenta, trama futurista que analisa as consequências de certos grupos da sociedade em áreas carentes. Cineasta de Ceilândia, Adirley tem feito uma trajetória marcante com filmes contundentes que discutem o abismo entre a periferia e os grandes centros urbanos.

Um olhar crítico e potente reconhecido com vários prêmios, inclusive no Festival de Brasília, com trabalhos como Rap, O Canto da Ceilândia (2005), Branco Sai Preto Fica (2014) e Era Uma Vez Brasília (2017).

Mostras paralelas

Quatro longas e oito curtas-metragens produzidos no DF estão na briga pelo Candango de melhor projeto em cada categoria na Mostra Brasília, concorrendo a R$ 240 mil em prêmios viabilizados pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). São R$ 100 mil para o melhor longa e R$ 30 mil para o melhor curta-metragem.

‘O Pastor e o Guerrilheiro’, do cineasta José Eduardo Belmonte, concorre na Mostra Brasília | Foto: Divulgação

Paulista de São José dos Campos, formado em cinema pela Universidade de Brasília (UnB), José Eduardo Belmonte construiu sua carreira cinematográfica na capital federal, pela qual nutre grande carinho. Um dos playgrounds que ajudou a cimentar uma trajetória exitosa foi o Festival de Brasília.

Ele concorre na Mostra Brasília com o drama O Pastor e o Guerrilheiro. Além do filme, o cineasta participa do evento ministrando uma masterclass no dia 20 de novembro, das 15h às 17h, no Hotel Grand Mercure Brasília. Desde 2005, com A Concepção, que o diretor não filmava uma ficção na cidade, então é um retorno marcante.

“Estou muito feliz por estar voltando ao Festival de Brasília, muito honrado. E onde acontece o festival foi fundamental para a minha carreira, muito especial esse reencontro”, destaca. “E retorno a Brasília contando uma história que tem muito a ver com a minha própria história, muito UnB, coisas que acreditei e vi, lugares que passei, um retorno diferente, um olhar interessante, um momento muito generoso essa volta”, resume.

Um dos integrantes da comissão do júri que escolheu os filmes que vão concorrer à Mostra Brasília, o curador e crítico Sérgio Moriconi – também responsável pela programação do Cine Brasília – destaca a enorme diversidade de temas dos inúmeros filmes de longas e curtas do DF inscritos no encontro. O especialista chama a atenção para a descentralização do fazer cinema no DF, cada vez mais pulsante no Entorno, para além do Plano Piloto.

“O que o espectador pode esperar é uma enorme diversidade temática e de proposta estética, ótimos filmes de ficção, documentais e experimentais”, antecipa Moriconi. “Existe um impulso muito forte para fazer cinema em Brasília que não se restringe apenas a uma forma ou linguagem de fazer cinema, existe de tudo, se expandindo para satélites, desenhando o futuro do cinema de Brasília.”

Outro filme que concorre à Mostra Brasília na categoria de longas é ‘Afeminadas’, com direção de Wesley Godim | Foto: Divulgação

Perto de completar 80 anos em dezembro deste ano, o veterano Jorge Bodanzky é o grande homenageado da edição histórica de número 55 do Festival de Brasília. Estudante de fotografia e cinema da Universidade de Brasília (UnB), no início dos anos 1960, foi aluno do mestre Paulo Emílio Salles Gomes, um dos fundadores da mostra, em 1965, e coleciona momentos afetivos com o Cine Brasília, o FBCB e a capital do país.

Em 1980, viu o seu filme Iracema – Uma Transa Amazônica (1975) ser exibido e vencer o evento após anos de censura. Este ano, além do inspirador Compasso de Espera (1969), único filme dirigido pelo homem de teatro Antunes Filho, o qual Bodanzky assina a fotografia, terá a exibição de dois trabalhos recentes.

Serão apresentados no festival deste ano o inédito Amazônia, A Nova Minamata? (2022) e o projeto autobiográfico Distopia Utopia (2020), exibido há dois anos no FBCB, mas virtualmente, por conta da pandemia da covid-19.

Distopia Utopia conta a minha história como estudante da UnB e o meu sonho foi sempre exibir esse filme no Cine Brasília, o que vai acontecer agora”, conta, sem esconder a emoção. “Vários filmes meus têm Brasília como palco. Então, simbolicamente, para mim é o festival mais importante”, confessa.

Outras duas mostras paralelas compõem a edição enxuta do evento, que contará com seis dias de programação. Na Mostra Festivais dos Festivais, três filmes com passagens bem-sucedidas por outras competições país afora: do Ceará, A Filha do Palhaço, de Pedro Diógenes, narrando a conflituosa relação entre pai e filha; o paulista Três Tigres Tristes, de Gustavo Vinagre, sobre as peripécias de três indivíduos da comunidade LGBTQIA+, e o goiano Fogaréu, de Flávia Neves, produção que explora os segredos e origens de uma família pela ótica do agronegócio moderno.

Filmes antigos e contemporâneos compõem a Mostra Reexistências, trabalhos como o carioca Não é a Primeira Vez que Lutamos Pelo Nosso Amor, de Luis Carlos de Alencar; o amazonense Uýra – A Retomada da Floresta, de Juliana Curi; o paraibano Cordelina, de Jaime Guimarães, além da homenagem ao montador pernambucano Severino Dadá, com o documentário O Cangaceiro da Moviola, de Luís Rocha Melo.

No dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, antecedendo a premiação dos grandes vencedores da 55ª edição do FBCB, haverá uma sessão simbólica. A exibição do filme Diálogos com Ruth de Souza, da paulista Juliana Vicente, que reverencia a trajetória da grande atriz negra.

A data também devolve ao festival o Prêmio Zózimo Bulbul, concedido pelo festival em parceria com a Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (APAN) e o Centro Afrocarioca de Cinema.

O último filme do evento, em sessão especial, o documentário Quando a Coisa Vira Outra, de Marcio de Andrade, consagra a trajetória do cinema de Brasília. Vladimir Carvalho destrinchado de forma poética e afetiva pelo irmão Walter Carvalho.

“Eu sempre tive vontade de trabalhar com o Vladimir. Ele é um ‘menino’ muito inspirador, é uma figura inovadora e motivadora”, revela Andrade. “Fiquei muito feliz por essa homenagem que tem meu irmão Walter como narrador”, afirma o mestre Vladimir.

Serviço
55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
Data: De 14 a 20 de novembro
Local: Cine Brasília
Confira aqui a programação completa.

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