Mais de cinco décadas de história, tradição e fé. A via-sacra do Morro da Capelinha, em Planaltina, nasceu de um “sonho de dia” e, até os dias atuais, reúne milhares de fiéis na região administrativa mais antiga do Distrito Federal. O espetáculo cênico da morte e ressurreição de Jesus Cristo é considerado Patrimônio Cultural Imaterial do DF desde 2008, pelo Decreto nº 28.870/2008, e foi incluído no calendário oficial de eventos da capital federal em 1986.
A primeira montagem ocorreu em 1973, idealizada pelo padre Aleixo Susin, falecido em 2021, aos 92 anos. À Agência Brasília, em 2017, ele revelou que viu “três morros unidos que se enchiam de gente”. Logo depois, falou com os fiéis e marcou procissões saindo de três igrejas de Planaltina, das quais era pároco na época. O ponto final do encontro foi o pé do Morro da Capelinha, onde ocorreu a primeira montagem da via-sacra da região administrativa.
Uma das voluntárias mais antigas é a dona de casa Maria de Lourdes Maciel, 73 anos, que participou da primeira edição. “Éramos poucas pessoas. Tinha um grupo de jovens, que fez a atuação, e um grupo de suporte, do qual eu participava”, recorda. “Naquela época era bem diferente de hoje, era tudo ‘no gogó’, não tinha caixa de som nem nada. Lembro que um jipe subiu o morro com um rapaz chamado Viltinho em cima, narrando tudo com um megafone. Nós subimos atrás cantando os hinos”.
Em 1974, Maria engravidou e precisou se ausentar da organização do evento. Nos anos seguintes, ela também não esteve entre os voluntários, mas sempre na plateia, acompanhando com olhos atentos cada detalhe da apresentação anual. “Em 1990 eu retornei e fui para o figurino para trabalhar com corte e costura”, conta ela, que, por sete anos, também atuou como Maria de Nazaré, a mãe do menino Jesus. “Ajudar a fazer acontecer a peça mais importante de Planaltina é maravilhoso, um sentimento inexplicável”.
De crachá e avental, Maria aposta na criatividade para modelar e adaptar figurinos ao time de atores. “Alguns precisam de reformas; outros, precisamos fazer do zero, porque entram pessoas novas. Geralmente, tiramos um mês para organizar tudo, mas o material costuma chegar em cima da hora, então é uma correria. É uma dedicação intensa, mas cheia de amor”, afirma.
Maria nasceu em Planaltina de Goiás e tem cinco filhos. Todos já participaram da celebração, e, atualmente, um está à frente da coordenação do figurino. Os dez netos e os três bisnetos também fazem parte da história do evento, ou na plateia ou como parte do voluntariado. “A via-sacra é muito importante para Planaltina. Movimenta a parte cultural, a religiosa, traz pessoas de fora para cá. É uma semente que o padre Aleixo plantou e que nós colhemos até hoje”, completa a voluntária.
Potência religiosa e cultural
Neste ano, a via-sacra de Planaltina recebeu R$ 1,6 milhão de investimento do Governo do Distrito Federal (GDF). O secretário de Turismo, Cristiano Araújo, destaca a relevância cultural e econômica do evento, que promete reunir cerca de 100 mil pessoas em quatro dias de festa: “São fiéis vindos de todas as regiões administrativas e de outros estados para a celebração de uma das maiores manifestações religiosas de Brasília”.
O turismo religioso entrou para o escopo da política de turismo do DF em janeiro deste ano, junto ao esportivo, consolidando o reconhecimento desses segmentos como parte fundamental da estratégia turística da região. “A inclusão do turismo religioso e esportivo na legislação representa um passo fundamental para aprimorar a experiência em Brasília, reconhecendo a riqueza cultural e religiosa única que nossa região oferece”, avalia Araújo.
“A via-sacra de Planaltina não apenas representa um elo profundo com nossa história e tradição religiosa, mas também se ergue como um pilar vital de turismo e economia criativa no Distrito Federal”
Claudio Abrantes, secretário de Cultura e Economia Criativa
O secretário de Cultura e Economia Criativa, Claudio Abrantes, que já interpretou de Jesus Cristo na encenação, enaltece a importância do evento para o DF: “A via-sacra de Planaltina não apenas representa um elo profundo com nossa história e tradição religiosa, mas também se ergue como um pilar vital de turismo e economia criativa no Distrito Federal. Eu, que já vivi a intensidade da via-sacra da Capelinha, sei o quanto essa celebração é capaz de tocar os corações e unir comunidades, além de perpetuar valores essenciais para nossa identidade cultural”.
Para o coordenador da comunicação do Grupo Via Sacra, Diogo José Pereira, a via-sacra se consolidou como um dos mais importantes eventos da região administrativa. Ele salienta que a celebração movimenta o setor turístico e econômico, com a vinda de caravanas de outros estados. “É um evento católico assistido por pessoas de muitos lugares, que vem para cá com esse objetivo e conhecem mais sobre a história do DF e de Planaltina, visitando os casarões, a pedra fundamental”, cita. “Planaltina é uma cidade totalmente cultural e, por ser a mais antiga do DF, tem muitas raízes”.
Diogo, 35, entrou para o grupo aos 20 anos. Primeiro, esteve na parte musical e, em seguida, partiu para a encenação, fotografia e comunicação, área em que trabalha atualmente. “A história da via-sacra é muito bonita. É um teatro de evangelização a céu aberto. A via-sacra não distingue o público, não faz nenhuma distinção. Nós estamos ali para evangelizar qualquer pessoa que queira participar”, comenta.
A equipe da encenação é formada por 1.400 integrantes voluntários, sendo 1.100 só de atores e 300 membros da equipe técnica. As apresentações começaram no Domingo de Ramos, celebrado no último dia 24, junto à via-sacra das crianças. Em seguida, ocorrem a Última Ceia, que representa a última refeição que Jesus Cristo dividiu com os apóstolos em Jerusalém antes de sua crucificação, e a Paixão de Cristo, em que o Messias é levado a julgamento.
Programação
→ Quinta-feira (28)
20h – Encenação da Última Ceia e celebração eucarística – Estacionamento Ginásio de Funções Múltiplas
→ Sexta-feira (29)
14h30 – Celebração da Santa Cruz e encenação da Paixão de Cristo.
Fonte: Agência Brasília