“Fui condenado por organização criminosa, fiquei preso por seis anos. Minha família confiava em mim e não me abandonou. O diretor me deu uma oportunidade, eu já tinha experiência como motorista profissional. Era operador de escavadeira hidráulica. Após oito meses na cadeia consegui emprego e com o passar do tempo viram que não era do jeito que estava no papel, só queria me reintegrar à sociedade. Hoje minha vida está melhor”. O relato é de Laudenir Cândido dos Reis, hoje funcionário com carteira assinada da prefeitura de Mirassol D’Oeste (distante 300 km da capital Cuiabá). Ele é um dos egressos do sistema prisional, que teve apoio do Conselho da Comunidade do município, que completou 31 anos de atividades.
O Conselho teve início em 19 de abril de 1990. De lá pra cá, passou por reformulações e atualizações. Uma reunião virtual comemorou avanços e ganhou um reforço do empresariado local. Dezenas de reeducandos foram contratados por uma única empresa da cidade, além de ter sido instalada uma nova fábrica de manilhas. Também está prevista a ampliação do espaço para desenvolvimento de outras atividades do público privado de liberdade.
Mais de 30 presos atualmente trabalham e as possibilidades estão aumentando, mesmo no período da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Atualmente, a Cadeia Pública abriga cerca de 200 apenados. Destes, 28 foram transferidos de Sinop (distante 500 km ao norte da capital do estado) e 44, de Vila Bela da Santíssima Trindade (distante 521 km de Cuiabá).
O juiz auxiliar da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), Emerson Luis Pereira Cajango, abriu a reunião. “Tive a honra de conduzir este Conselho quando exerci a magistratura aí em Mirassol. Há 31 anos Maurílio (presidente do Conselho) já exercia as atividades e hoje o CNJ replica essas ideias de reinserção do egresso. Ele me relatou muito bem as atividades da cadeia pública e sei que estão no caminho certo.”
A juíza da 3ª Vara e diretora da comarca de Mirassol D’Oeste (MT), Sabrina Andrade Galdino Rodrigues, destacou a importância do Conselho. “Nunca vi uma cadeia tão organizada. Sou corregedora de presídio há muito anos. Aqui temos organização, disciplina, limpeza. Estamos falando de um ambiente em que as reclamações são normais, mas aqui, não temos aquelas corriqueiras. Conseguimos dar dignidade aos apenados.”
Ela lembra histórias de sucesso no projeto. “Tivemos bons momentos e até inesquecíveis, dentre os quais, a recuperação do sentenciado Angel Suares, Boliviano, da cidade de Santa Cruz de La Sierra. Ele foi acometido pela depressão e, após o cumprimento da pena, o Conselho da Comunidade o conduziu até sua família. Marcou-nos, também, o fato de a presidiária Yaritiza Santiago, de nacionalidade portorriquenha, quando no cumprimento da pena, engravidou e deu à luz a uma menina. Hoje está casada e constituiu família. Mãe, filha e netos residem em Mirassol D’Oeste.”
Dos conselheiros nomeados há época, dois ainda compõe os quadros: Maurílio Rodrigues de Mattos e Doracy Gomes Nonato. “Uma das metas do ministro Fux é o fortalecimento dos Conselhos da Comunidade. Devemos pensar, agir e fortalecer. Tivemos grandes avanços nesse período de atuação. Hoje podemos dizer que estamos em uma das melhores fases”, destacou o presidente do Conselho da Comunidade, Maurílio Rodrigues de Mattos.
Mattos explicou os passos para o Conselho alcançar esse sucesso. “Há 31 anos começamos nossos trabalhos. Inicialmente, éramos 13 membros – um engenheiro civil, um médico, um arquiteto, um representante da indústria e um do comércio, um representante das igrejas evangélicas e um das católicas. A cada dois anos, realizávamos eleições para novos membros. Não é uma missão tão fácil. Só mexemos com problemas. Mas nossa função é auxiliar os juízes que passam pela Vara Penal de Mirassol. Refizemos o estatuto e agora a cada quadriênio mudamos.”
O diretor da cadeia pública de Mirassol D’Oeste (MT), Lindomar de Almeida Coutinho Lira, reforçou a importância da reinserção social das pessoas presas. “Temos muitos avanços: 25 presos estão estudando, número que deve subir muito em breve; uma fábrica de manilhas será montada logo – um loteamento particular doou um terreno de 600 m². A área anexa à Cadeia será integrada para trabalho dos presos. A fábrica de manilhas pode empregar até cinco novos presos. Somados aos 12 que trabalham no pátio (manutenção), 22 extramuros (Prefeitura, Polícia Militar e Polícia Civil), outros seis que trabalham nos blocos, além dos artesãos e os que atuam na horta hidropônica, que produz e doa produtos ao abrigo dos idosos, hospital e instituição de acolhimento das crianças. Temos ainda uma parceria do município para o trabalho externo. Os reeducandos saem para limpeza e ações e a prefeitura já pediu para que fossem dobradas as vagas.”
Prova dos avanços foi que, durante a reunião, o representante do aviário que será reativado no município, Júnior Napolitano, afirmou que se interessa na contratação de reeducandos, de forma remunerada. “Gostaria de saber o que devemos fazer para conseguir, quero mostrar o interesse da nossa empresa nesta contratação. Quando começarmos a processar as galinhas, entre 10 e 20 reeducandos serão necessários.”
“Os servidores são determinados na mudança social. Aqui cadeia não é universidade para o crime. Nosso Conselho é ativo e temos pessoas compromissadas pela ressocialização. A mesma determinação para prender, temos para agilizar o processo, para que tenham seus direitos respeitados. Se quiser estudar, vamos lutar para que isso seja feito”, reforçou o promotor de justiça criminal, Elton Oliveira Amaral.
“Estou há mais de dois anos como defensor aqui, em meio a pandemia, ainda com todas as dificuldades temos o trato respeitoso com a pessoa privadas de liberdade. Durante o período em que atendi presencialmente, nunca recebi um reclame se quer de agressão física, verbal ou de qualquer outra natureza”, pontuou o defensor público, Carlos Wagner Gobati de Matos.
Fonte: TJMT
Fonte: Portal CNJ